segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Paulo e as “Obras da Lei”
Em algumas
ocasiões nos escritos da Nova Aliança o apóstolo Paulo utiliza a expressão “obras
da lei” (carta aos Romanos cap. 03 e aos Gálatas cap. 02 e 03). Em todas
essas citações a expressão é usada negativamente, sendo algo a ser evitado por
todo servo verdadeiro de Deus através de Yeshua (Jesus). Porém, a má
interpretação e a descontextualização dos textos paulinos onde essa expressão é
mencionada, gerou e tem gerado nos meios teológicos cristãos (e também
judaicos) um falso conceito que Paulo era contrário à Torá e a sua obediência.
Tal conceito errôneo gerou na teologia cristã uma pré-concepção ANTINOMISTA
(anti-Lei ou anti-Torá) e também ANTISSEMITA, onde todos os textos
neo-testamentários são interpretados partindo-se desse pressuposto. Não só
isso, mas o meio judaico tradicional aceitou do cristianismo a percepção e
interpretação do fariseu Shaul (Paulo), gerando também no judaísmo o falso
conceito que Paulo foi contra a Torá e a guarda dos mandamentos. Além disso,
uma grande confusão surge quando confrontamos a interpretação cristã clássica
de Paulo em relação à Lei de Moisés, com alguns de seus ensinamentos sobre a
Lei, tais como Rm 7:12-14, e outros. Como ele pode dizer que a Lei é santa,
espiritual e boa, e em outras passagens se referir a ela como “maldição”? Teria
ele se rebelado contra seu mestre e salvador (Yeshua), ao afirmar que a lei foi
abolida? (Pois Yeshua foi claro ao afirmar que: “não vim ABOLIR a Lei ou os
profetas. Vim torná-los plenos! – Mt 5:17). Teria sido o apóstolo Paulo
acometido por algum tipo de esquizofrenia ou bipolaridade? Certamente que não!
O problema não está em Paulo, mas sim, na forma de se LER Paulo.
A expressão
“Obras da Lei” é mais antiga do que o próprio Paulo. Ela já foi utilizada pela
comunidade de Qumran quase dois séculos antes de Cristo, como atestam os
pergaminhos do Mar Morto descobertos no século passado. Em um dos rolos temos o
título “Mikssát Maassêi ha Torá“, ou “As importantes obras da
Lei”. Devido a este nome, esse pergaminho é simplesmente conhecido como “MMT ou
4QMMT”. Nele, há mais de 20 regras haláchquicas sobre purificação, incluindo
citações de mandamentos da Torá e principalmente INTERPRETAÇÕES e COMPLEMENTOS
de tais mandamentos Mosaicos. Há também regras que excluíam as oferendas dos
gentios e os próprios gentios de participarem das atividades do Templo em
Jerusalém. O estudo deste documento trouxe grande luz à interpretação do
Apóstolo Paulo e seu posicionamento em relação à Torá ou Lei de Moisés.
Fragmento do
pergaminho 4QMMT, também chamado de “Importantes Obras da Lei” – Qumran –
Israel, séc. II a.C.
Baseados no
testemunho do próprio Paulo e em alguns de seus discursos de defesa, sabemos
que ele não era contra os mandamentos da Torá. Os próprios apóstolos, em
Jerusalém, dão um testemunho sólido e irrefutável da conduta de Paulo em
relação à Lei de Moisés: “…e saberão todos que não é verdade o que se
diz a teu respeito (que pregas contra a Lei) e que, pelo contrário, andas
também, tu mesmo, GUARDANDO a lei.”(At 21:24). Já que Paulo não era
contra a Torá, como ele poderia ser contra as “Obras da Torá”? Bem, com a
leitura do antigo documento judaico da seita do Mar Morto e interpretando os
ensinos de Paulo em seu contexto original, concluímos que Paulo não era contra
a Torá ou a obediência a ela, mas sim, contra as INTERPOLAÇÕES E INTERPRETAÇÕES
legalísticas que eram contrários à própria Torá (os quais são descritos no
documento “Mikssat Maassêi ha Torá“). Ao usar a expressão “Obras da
Lei”, Paulo refere-se a uma ideologia muito comum entre judeus e
gentios simpatizantes do judaísmo, a saber, que a simples obediência ao
mandamento justificaria o praticante perante Deus. Isso é também chamado de
“legalismo”. O legalismo é a desobediência a Deus utilizando-se para isso a
própria Torá.
A guarda do
mandamento, sem a Fé e o coração circunciso, não beneficia em nada ao homem.
Pelo contrário, afasta o homem de Deus ao passar a falsa ideia que a simples
guarda do mandamento (sem a correta kavaná – intenção do coração e fé) justifica
o praticante. Esse é o conteúdo da exortação divina através do profeta Isaías:
“De que me
serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? — diz o SENHOR. Estou farto dos
holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me agrado do sangue
de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes.(…) Não continueis a trazer ofertas
vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da Lua Nova, os
sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar INIQUIDADE
associada ao ajuntamento solene. (…) Pelo que, quando estendeis as mãos,
escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as
ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos,
tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal.
Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o
direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas.” (Is 1:11-17).
Nota-se que
Deus não está sendo contrário a tais mandamentos, pois Ele mesmo os deu ao povo
como ESTATUTO PERPÉTUO, sendo mandamentos para a VIDA. (Dt 30:19-20). Porém,
apenas a prática de tais preceitos sem a busca por um coração circuncidado e
com sede de justiça, faz com que tal obediência não seja recebida por Deus. Na
verdade, tal prática é prejudicial ao homem. É isso que o próprio Paulo quer
dizer quando usa a expressão “LETRA”, referindo-se à cega obediência da
Torá sem um estado interior e exterior condizentes: “…o qual
nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do
espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica”. (2 Co 3:6).
Assim, contrariando a interpretação normativa cristã dessa passagem, Paulo não
estava atestando que a Torá “mata” (pois estaria condenando a si mesmo), mas
sim, que a FORMA como a Torá é guardada e interpretada é que pode roubar a vida
do homem.
Portanto, a
mesma Torá (Lei) que é benção para uns, pode ser maldição para outros: “E
o mandamento que me fora para vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para
morte” (Rm 7:10). Paulo aqui atesta que já fora escravo da LETRA e das
“OBRAS DA LEI”, pois sua busca pela pureza da religião e zelo pelas tradições
endureceram-lhe e cegaram-lhe o coração, impedindo-o discernir o Messias
contido na própria Torá. Na verdade, a aceitação ou não da obediência do homem
em relação à Lei de Deus dependerá da fé e do estado do coração do ofertante
(Rm 2:28-29). A fé SEMPRE DEVE VIR ANTES do mandamento, e não o contrário (Rm
4:9-15). É como eu sempre digo: “Não obedeço para ser SALVO, obedeço
pois SOU salvo.” Essa frase expressa o contraste de MOTIVAÇÃO ao se
obedecer a Deus.
No
pergaminho MMT do Mar Morto, são ordenados exclusivamente os mandamentos e
interpretações de mandamentos sem nenhuma ênfase à mudança de atitude ou de um
coração correto diante de Deus. Além disso, são declaradas “halachôt” (dogmas)
que humilhavam os gentios e os afastavam do templo (como o tal ‘muro da
separação’ que Paulo se refere em Ef 2:14). A essa “falsa obediência” e aos
dogmas que afastavam os gentios do Reino de Deus, Paulo deu o nome de “OBRAS DA
LEI” ou simplesmente “LETRA”.
Paulo não
poderia ser contra a obediência a Torá, pois usou seu próprio testemunho para
atestar o contrário (At 24:14, 25:8). Ele também atesta que a Lei é espiritual
e boa, e o mandamento, santo, justo e bom (Rm 7:12-14). Não é a Torá o
problema, mas sim, o LUGAR onde a mesma está escrita. Na chamada NOVA ALIANÇA,
Deus utiliza a obra de Seu ungido para escrever a LEI (Torá) no coração do Seu
povo (Jr 31:31). Assim, todo servo do Deus de Israel e discípulo de Yeshua deve
fazer a si mesmo a seguinte pergunta: Onde está a Lei de Deus na minha vida? Ou
ela ainda está em pedras, longe e externa à minha natureza, ou está escrita em
meu coração, sendo parte da minha natureza. Quem tem ouvidos… ouça!
Nenhum comentário:
Postar um comentário