quinta-feira, 15 de junho de 2017
O MARTÍRIO TIAGO O JUSTO – POR EUSÉBIO DE CESARÉIA
O texto abaixo foi extraído do livro: Eusébio de
Cesaréia História Eclesiástica.
Mantendo a mesma tradução e formatação tal como
está no livro.
XXIII
De como Tiago, chamado
irmão do Senhor, sofreu o martírio
1. Ao
apelar Paulo ao César e ser enviado por Festo à cidade de Roma[1],
os judeus, frustrada a esperança que os induziu a conspirar contra ele157,
voltaram-se contra Tiago, o irmão do Senhor, a quem os apóstolos tinham
confiado o trono episcopal de Jerusalém. O que segue é o que ousaram fazer
também contra ele.
2. Trouxeram-no,
e diante de todo o povo pediram-lhe que renegasse a fé de Cristo. Mas quando
ele, contra a vontade de todos, com voz livre e falando mais abertamente do que
esperavam, diante de toda a multidão pôs-se a confessar que nosso Salvador e
Senhor Jesus era filho de Deus, já não foram capazes de suportar mais o
testemunho deste homem, justamente porque era considerado o mais justo de todos
pelo grau de sabedoria e piedade a que havia chegado em sua vida, e mataram-no,
aproveitando oportunamente a falta de governo, pois tendo Festo morrido na
Judéia neste tempo, a administração do país ficou sem chefe e sem controle[2].
3. O
modo como ocorreu a morte de Tiago já foi esclarecido pelas palavras citadas de
Clemente[3],
que conta como o lançaram do pináculo do templo e espancaram-no até matá-lo.
Mas quem conta com maior exatidão o que a ele se refere é Hegesipo, que
pertence à primeira geração sucessora dos apóstolos[4]
e que no livro V de suas Memórias diz
assim:
4. "Sucessor161
na direção da Igreja é, junto com os apóstolos, Tiago, o irmão do Senhor. Todos
dãolhe o sobrenome de "Justo", desde os tempos do Senhor até os
nossos, pois eram muitos os que se chamavam Tiago.
5. Mas
somente este foi santo desde o ventre de sua mãe. Não bebeu vinho nem bebida
fermentada, não comeu carne; sobre sua cabeça não passou tesoura nem navalha e
tampouco ungiu-se com azeite nem usou do banho.
6. Somente
a ele era permitido entrar no santuário, pois não vestia lã, mas linho. E
somente ele penetrava no templo, e ali se encontrava ajoelhado e pedindo perdão
por seu povo, tanto que seus joelhos ficaram calejados como os de um camelo,
por estar sempre de joelhos adorando a Deus e pedindo perdão para o povo.
7. Por
sua eminente retidão era chamado "o Justo" e "Oblías", que
em grego quer dizer proteção do povo e justiça, como declaram os profetas
acerca dele.
8. Assim
pois, alguns das sete seitas que há no povo e que eu descrevi anteriormente
(nas Memórias) tentavam informar-se
com ele quem era porta de Jesus, e ele respondia que este era o Salvador.
9. Alguns
creram que Jesus era o Cristo. Mas as seitas mencionadas anteriormente não
creram nem na ressurreição nem em que venha a dar a cada um segundo suas obras[5].
Mas os que creram, creram por Tiago.
10. Sendo
pois, muitos os que creram, inclusive entre as autoridades[6],
os judeus, escribas e fariseus se alvoroçaram dizendo: todo o povo corre perigo
ao esperar o Cristo em Jesus. Reuniram-se pois ante Tiago e disseram: Nós te
pedimos: retém ao povo, que está em erro a respeito de Jesus, como se ele fosse
o Cristo. Pedimo-te que convenças a respeito de Jesus todos os que vierem para
o dia da Páscoa, porque a ti todos obedecem. Efetivamente, nós e todo o povo
damos testemunho de ti, de que és justo e não te deixas levar pelas pessoas.
11. Tu
pois, convence a toda a multidão para que não se engane a respeito do Cristo.
Todo o povo e nós mesmos te obedecemos. Ergue-te pois sobre o pináculo do
templo para que do alto sejas visível e todo o povo ouça tuas palavras, pois
por causa da Páscoa reúnem-se todas as tribos, inclusive com os gentios.
12. E
assim os mencionados escribas e fariseus puseram Tiago em pé sobre o pináculo
do templo e disseram-lhe aos gritos: "O tu, o justo!, a quem todos devemos
obedecer, posto que o povo anda extraviado atrás de Jesus o crucificado,
diga-nos quem é a porta de Jesus."
13. E ele
respondeu com grande voz: "Por que me perguntam sobre o Filho do homem?
Ele também está sentado no céu à direita do grande poder e há de vir sobre as
nuvens do céu[7]."
14. E
sendo muitos os que se convenceram completamente e ante o testemunho de Tiago,
irromperam em louvores dizendo: "Hosana ao filho de Davi!". Então os
mesmos escribas e fariseus novamente disseram uns aos outros: "Fizemos mal
em proporcionar tal testemunho a Jesus, mas subamos e lancemo-lo para baixo,
para que tenham medo e não creiam nele."
15. E
puseram-se a gritar dizendo: "Oh! Oh! Também o Justo extraviou-se!" E
assim cumpriram a Escritura que se encontra em Isaías: Tiremos de nosso meio o justo, que nos é incômodo. Então comerão o
fruto de suas obras.
16. Subiram
pois e lançaram abaixo o Justo. E diziam uns aos outros: "Apedrejemos a
Tiago o Justo!" E começaram a apedrejá-lo, porque ao cair não chegou a
morrer. Mas ele, virando-se, ajoelhou-se e disse: "Eu te peço Senhor, Deus
Pai: Perdoa-os, porque não sabem o que fazem.
17. E
quando estavam assim apedrejando-o, um sacerdote, um dos filhos de Recab, filho
dos Recabim, dos quais o profeta Jeremias havia dado testemunho[8],
gritava dizendo: Parai, que estais fazendo? O Justo roga por vós!
18. E um
deles, tecelão, agarrou o bastão com que batia os panos e deu com este na
cabeça do Justo, e assim foi que sofreu o martírio. Enterraram-no naquele
lugar, junto ao templo, e ainda se conserva sua coluna naquele lugar ao lado do
templo. Tiago era já um testemunho veraz para judeus e para gregos de que Jesus
é o Cristo. E em seguida Vespasiano os sitiou[9]."
19. Isto é
o que Hegesipo relata minuciosamente, concordando ao menos com Clemente. Tiago
era um homem tão admirável e tanto havia-se espalhado entre todos a fama de sua
retidão, que até os judeus sensatos pensavam que esta era a causa do assédio de
Jerusalém, iniciado imediatamente depois de seu martírio, e que por nenhum
outro motivo estavam eles sofrendo-o senão pelo crime sacrílego cometido contra
ele.
20. Na
verdade, pelo menos Josefo não vacilou em atestar também isto por escrito com
estas palavras:
"Isto sucedeu
aos judeus como vingança por Tiago o Justo, irmão de Jesus, o chamado Cristo,
porque exatamente os judeus o mataram, ainda que fosse um homem justíssimo[10]."
21. O
mesmo autor descreve também a morte de Tiago no livro XX de suas Antigüidades com estas palavras:
"Sabendo César da morte de Festo,
enviou a Albino como governador da Judéia. Mas Ananos o Jovem, sobre quem já
dissemos que havia recebido o sumo sacerdócio, tinha um caráter especialmente
resoluto e atrevido e formava parte da seita dos Saduceus, que nos juízos eram
justamente os mais cruéis entre os judeus, como já demonstramos.
22. Ananos
sendo pois assim, considerando oportuna a ocasião por haver morrido Festo e
achar-se Albinus ainda a caminho, convocou a assembléia de juízes, e fazendo
conduzir perante ela o irmão de Jesus, chamado Cristo - chamava-se Tiago - e
alguns mais para acusá-los de violar a lei, entregou-os para que fossem
apedrejados.
23. Mas
todos os cidadãos considerados os mais sensatos e mais fiéis observadores da
lei levaram a mal esta sentença e enviaram uma delegação secreta ao rei168
para pedir-lhe que escrevesse a Ananos para que não levasse a cabo tal coisa,
porque já desde o começo não agia com retidão. Alguns deles inclusive saíram ao
encontro de Albinus, que viajava desde Alexandria, para informá-lo de que sem
seu parecer não era permitido a Ananos convocar a assembléia.
24. Persuadido
Albinus com o que lhe disseram, escreveu irritado a Ananos, ameaçando-o de
pedirlhe contas. E o rei Agripa destituiu-o por este motivo do sumo sacerdócio,
que exercia há três meses, e instituiu a Jesus, o filho de Dameo."
Esta é a história de Tiago, do qual se diz
que é a primeira carta das chamadas
católicas.
25. Mas
deve-se saber que não é considerada autêntica. Dos antigos não são muitos os
que a mencionam, assim como a chamada de Judas, que é também uma das sete
chamadas católicas. Ainda assim, sabemos que também estas, junto com as
restantes, são utilizadas publicamente na maioria das igrejas.
[2] Verão ou outono de 62,
entre a morte de Festo e a chegada de seu sucessor Luceius Albinus.
[3] Vide I:V
[4] Hegesipo nasceu no ano
110, pode ter conhecido alguns membros da comunidade primitiva, ainda que muito
velhos, mas não pode ser de forma alguma "da primeira geração"
pós-apostólica. 161 Não fica claro de quem Tiago seria sucessor.
[5] Rm 2:6; Sl 62:13 (62:12);
Pv 24:12; Mt 16:27; Ap 22:12.
[6] Jo 12:42.
[7] Mt 26:64; Mc 14:62; At
7:56.
[8] Jr 35:2-19.
[9] Vespasiano começou a
guerra contra os judeus em 67, mas Jerusalém foi sitiada por seu filho Tito em
70.
[10] Desconhece-se este trecho
nos manuscritos de Flavio Josefo, como Eusébio, contrário a seu costume, não
cita obra nem livro, pode tê-la recolhido de outro autor, como Orígenes. 168
Agripa II (50-100).
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